domingo, 5 de junho de 2011

A caminho do beco de S. Bento



Não gosto de bentos e muito menos de santos. O único são bento de que gostei em tempos e esporadicamente (duas vezes) foi o café do dito.
Dito isto, há uns anos largos que percebi que de são bento não vem bom vento. Pelo menos desde a época em que, estando ainda eu na cobertura da coisa, o grupo dos meus congéneres cobridores (ou serão antes cobertores?) escolheu como melhor parlamentar da sessão legislativa... Guilherme Silva.
É verdade que rima. Mas eleger como mais meritório deputado anual o então plenipotenciário de D. Alberto junto da República foi algo que me catapultou para uma grieguesca fantasia norueguesa, em que o comité Nobel de Oslo atribuía o prémio da paz ao grande patriota Quisling. Enfim, um devaneio de fiordes. E de fajãs.

Tudo isto para ilustrar que há muito, muito tempo que estou desligado da cobertura da coisa. Há tanto tempo que no meu tempo, não se usava o termo “arruada”. Pois. Não sei quem começou a usá-lo. Não sei nem quero saber. Sendo as coisas o que são, o mais provável é ter sido um jornalista.
No meu tempo, não se usava uma palavra para resumir o fenómeno. Usavam-se três. Chamava-se a isso “acção de rua”. Tinha a desvantagem de cheirar a demasiado revolucionário. Ou demasiado esquerdista. Ou demasiado anti-sistémico.
Mas tinha a vantagem indefinida de se aplicar a um desfile de campanha que passasse indiferentemente por ruas, praças, avenidas, largos, travessas, azinhagas ou becos.
Com a actual designação, poder-se-á chamar na mesma “arruada” a uma acção de campanha que atravessa praças, largos, avenidas ou que atravessa travessas? Não deveriam chamar-se, conforme os casos, além de “arruada”, por exemplo, “apraçada”? Ou “avenidada”? Ou “alargada”? Ou “abecada”? Ou “atravessada”?
Eu acho que sim. Talvez seja por causa do meu desamor pelo termo “arruada”. Talvez seja por ser tantas vezes usado por relatores que fazem relatos como o que ouvi na rádio sexta-feira passada.
Versava o relato sobre a “arruada” de Paulo Portas pelo Chiado abaixo. O relato começou logo a cheirar a esturro, quando referiu o arranque em frente à Brasileira, e a descida subsequente da rua do Carmo. A rua Garrett - que é necessário descer para chegar à do Carmo - ficou perdida no limbo da elipse jornalística. Nada me move contra as elipses, claro, desde que quem as pratica saiba que as pratica. No caso, tenho dúvidas. Dúvidas reforçadas quando ouço, na voz do repórter que Paulo Portas parou depois no café Nicola na praça... da Figueira (sic)! Depois, um aparente flashback no relato, para apresentar uma declaração de Portas “junto a um ex-líbris de Lisboa”, ou coisa que o valha: o elevador... da Glória! Isto para que o repórter pudesse fazer um trocadilho/pergunta com ascensões e glórias. Confesso a minha ignorância factual. Não sei se Portas passou efectivamente pelo elevador da Glória. Se o fez, então a sua descida do Chiado desembocou, no mínimo, numa pequena subida da avenida da Liberdade. Como não consta que o tenha feito, só posso presumir que o dito elevador seja aquele que está sobreposto à rua do Carmo. E, assim sendo, terá sido claramente escusado o trocadilho com ascensão e glória. Não havia necessidade. Um trocadilho com ascensão e justa não seria menos eficaz nem menos justo.

Este episódio de confrangedora ignorância do relator jornalístico é bem ilustrativo desta campanha e desta eleição. Na realidade, a eleição pouco importa. Centro-direita do actual governo ou centro-esquerda (sim, eles o dizem) do Passos Portas vem a dar no mesmo. Nos próximos anos, Portugal está condenado a desfilar, em sentido descendente, não numa “arruada”, mas numa “abecada”. Sem saída.

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