quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A roleta indolor


Aposto que o próximo vai ser uma próxima, ou então o próximo vai ser executado por uma centuriona, sim! tipo com sotaque, assim, tipo... tipo de Trastevere, não? É... ou, então, de Almada?

Um ano depois, na semana passada, volta à carga a mesma instituição de ensino. Ensino em sentido afim ao de uma madrassa. No papel de professor, brilha fulgurantemente, com a fulgência de uma cimitarra sob o sol a pique do deserto sírio, uma deputada do psd. Ofuscando mais os ouvidos do que os olhos da plateia de juvenis laranjas, e a propósito do vídeo publicado na internet com a segunda decapitação de um refém americano pelo Estado Islâmico, a parlamentar e palestradora afirma:

«Ontem apostava com um colega que a segunda execução seria ou de uma mulher ou uma execução cometida por uma mulher, porque não foi por acaso que tivemos uma execução em directo e que a execução é feita com um europeu..."

E nós todos que estávamos convencidos que não tínhamos tido uma execução em directo!... E nós todos que estávamos convencidos que tinha sido por acaso que a execução tinha sido feita por um europeu!... Oh, louvai o Senhor! Graças à Providência, existem mentes tão relampejantes como um relâmpago na arenosa noite da nossa desolação intelectual que nos iluminam o caminho rumo à clarividência de que não há acasos num Universo com o psd e com a sua profeta, a 13ª eleita para são bento na lista por Lisboa.

Sim, senhor. Mas, para os não crentes em macacadas, restam os factos. Nem a parlamentar e palestradora teve uma execução em directo, nem teve nenhum de nós, Portugueses, ou habitantes da Europa Ocidental, nem sequer o público televisivo iraquiano ou sírio, nem nenhuma pessoa que não seja o tarado executor com sotaque do sul de Inglaterra, o executado Steven Sotloff e os outros pulhas muçulmanos que filmaram e viram in loco a execução.

Outro facto: por mais que a parlamentar laranja tenha apostado com um colega que "a segunda execução seria ou de uma mulher ou uma execução cometida por uma mulher", a execução não foi nem uma coisa nem a outra que ela apostara que seria. A deputada e oradora na palestra daquela instituição de ensino não é, portanto, uma profeta, é uma apostadora incompetente. E outro facto ainda mais refulgente: a 13ª deputada do psd eleita por Lisboa não teve qualquer pudor em afirmar em público, num acontecimento com considerável cobertura mediática, que apostou com um colega sobre quem seria o próximo decapitado pelo Estado Islâmico.

As palavras desta parlamentar são de uma luminosidade cegante, tal como um ferro em brasa ilumina pela derradeira vez o olhar de um Miguel Strogoff. Ao contrário dos insultos por ignorância e soberba que o monetário Carlos dirigiu à universidade e ao Verão há um ano, as afirmações públicas desta frustrada profeta, avalizada pelo psd como oradora à juventude, não insultam nada senão eventualmente ela própria. E o colega com quem apostou, já agora.

Se bem que... Se bem que, por eventualidades dessas, o poder ateniense obrigou Sócrates a tragar a cicuta. Mas a apostadora incompetente nada tem a temer nesse aspecto. É fisicamente impossível decapitar quem não tem cabeça. Sugiro por isso que, sem qualquer receio, satisfaça a sua compulsão pelo jogo palpitante da vida e da morte, passando a apostar na roleta. Na russa, é claro. E como jogadora activa, não meramente académica.... Se preferir a versão de jogadora virtual, num espectacular ecrã de milhentas polegadas e toneladas de pixels hd, também ninguém leva a mal.

O Carlos

Kissinger, Mao e Chu ao fundo, para nós todos; mas Henry, Tsé-Tung e En-Lai ao fundo, para o Carlos. Intimidades geo-políticas...

Há um ano, vi na televisão um governante em mangas de camisa não arregaçadas, a cirandar num palco, qual Bill Gates ou outro qualquer que apresentasse um telefone made in Silicon Valley, com a importância que o governante não tem, e a botar faladura para uma plateia de jovens homúnculos. Do alto da sua ensaiada descontracção, de microfone pregado na gravata, conta à juventude ignara uma anedota de história diplomática dos anos setenta do século XX, protagonizada pelo antigo Primeiro-Ministro da República Popular da China, Chu En-Lai, e pelo antigo Secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger.

E não é que ao longo do humorístico relato, o governante orador se refere repetidamente ao número dois de Mao Tsé-Tung como "o En-Lai" para aqui, "o En-Lai" para ali, "o En-Lai" para cima e "o En-Lai" para baixo? Assim mesmo, num caloroso mas ignaro contributo para a irremediável deseducação das massas pequeno-burguesas, sentadas na aula da universidade de verão do psd, massas cada vez mais pequenas e cada vez menos burguesas devido ao implacável assalto fiscal do governo de que o governante fazia parte.

Pois é. Não que eu saiba mandarim, mas sei que quem decide cativar a plateia com a historieta que o governante escolheu para fazê-lo deveria saber que nos nomes em mandarim se escreve primeiro o apelido e depois o nome próprio. Daí "maoismo", e não "tsé-tunguismo", n'est-ce pas? Bastava perguntar ao Durão Barroso, que até já deve ter dado umas aulas na universidade de verão do psd.

A palestra do Carlos (tratamento que o palestrador certamente prefere e incentiva) resultou assim num insulto. Não um insulto ao psd, porque embora merecido jamais seria inteligível para o próprio partido. Sim um insulto à Universidade, mas, pensando bem, do qual não vem particular mal ao mundo. Acima de tudo, um insulto ao Verão, este sim, algo de intolerável, como reconhecerá o orador quando tiver de viver em Bruxelas. Já dizia o semi-divino Aníbal, num famoso artigo aqui há uns anos: a má moeda substitui a boa moeda. A menos que o ofensor faça uma correcção, não apenas monetária, mas nominal.

PS – Se o impante palestrador se desse ao trabalho de buscar alguma informação facilmente acessível três anos antes de palestrar, facilmente constataria que a sua anedota é espúria, pois que Chu En-Lai se referia ao Maio de 1968 e não à Revolução Francesa de 1789.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Same Old Tale



«Along the Paris streets, the death-carts rumble, hollow and harsh. Six tumbrils carry the day’s wine to La Guillotine. All the devouring and insatiate monsters imagined since imagination could record itself, are fused in the one realisation, Guillotine. And yet there is not in France, with its rich variety of soil and climate, a blade, a leaf, a root, a sprig, a peppercorn, which will grow to maturity under conditions more certain than those that have produced this horror. Crush humanity out of shape once more, under similar hammers, and it will twist itself into the same tortured forms. Sow the same seed of rapacious license and oppression over again, and it will surely yield the same fruit according to its kind.»

Escrito por um inglês sessenta anos depois da Revolução Francesa, A Tale of Two Cities, mostra-nos a lucidez e os valores que muitos de nós partilhamos. Esmaguem mais uma vez a humanidade até a deixar informe e já sabem o que acontecerá. A multidão é uma besta una, na maioria das vezes formada por indivíduos extremamente mal tratados. Além de talentoso em promessas sucessivamente exclusivas umas das outras, o sr. Coelho tem ainda a sorte de a abolição da pena de morte ser um acquis ético intocável na nossa sociedade.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

In The Mood



For a few years now, I've been in a rather moody frame of mind. Não é à toa que o "In The Mood" é o meu toque de telefone principal.
Em vez de passar a música, a rádio vai desfilando os suspeitos do costume, a pseudo-respeitada tralha aparelhística dos nojentos PS e PSD, a perorar que, pois claro, a UE deveria criar uma agência de rating made in Europe. Terei ouvido bem? É, ouvi mesmo. Mas estes gajos regaram de mais o almoço? Então agora nós vamos pagar mais impostos ainda para amamentar uma empresa pública europeia de rating, para concorrer com empresas privadas de rating cuja única razão para que se lhes reconheça alguma réstia de credibilidade é precisamente brotarem da iniciativa privada e não do Estado? Vade retro!!!
Mas onde é que estas bestas vivem?!... Ah, pois, no mesmo país em que a rádio acaba de noticiar que as câmaras municipais de Lisboa e Sintra romperam os seus contratos com a agência de rating Moody's. Haverá alguém que me explique por que raio é que a câmara de Lisboa e a de Sintra pagam à Moody's com o nosso dinheiro? É para que a Moody's opine sobre a cotação da costa lisboeta e da seara sintrense?
E se as duas câmaras, isto é, os eleitores, rompessem antes o contrato com os respectivos presidentes, e pusessem a Moody’s à frente do executivo municipal? Não ficávamos pior servidos, de certeza.
Como foi ao contrário, ao menos que as câmaras tenham ficado a dever à Moody’s. Em dólares bem lixados.

PS – Já agora, dava jeito que as câmaras nos esclarecessem se não pretendem substituir a Moody’s pela Fitch ou a Standard & Poors, ou se também já pagam a essas.

domingo, 5 de junho de 2011

A caminho do beco de S. Bento



Não gosto de bentos e muito menos de santos. O único são bento de que gostei em tempos e esporadicamente (duas vezes) foi o café do dito.
Dito isto, há uns anos largos que percebi que de são bento não vem bom vento. Pelo menos desde a época em que, estando ainda eu na cobertura da coisa, o grupo dos meus congéneres cobridores (ou serão antes cobertores?) escolheu como melhor parlamentar da sessão legislativa... Guilherme Silva.
É verdade que rima. Mas eleger como mais meritório deputado anual o então plenipotenciário de D. Alberto junto da República foi algo que me catapultou para uma grieguesca fantasia norueguesa, em que o comité Nobel de Oslo atribuía o prémio da paz ao grande patriota Quisling. Enfim, um devaneio de fiordes. E de fajãs.

Tudo isto para ilustrar que há muito, muito tempo que estou desligado da cobertura da coisa. Há tanto tempo que no meu tempo, não se usava o termo “arruada”. Pois. Não sei quem começou a usá-lo. Não sei nem quero saber. Sendo as coisas o que são, o mais provável é ter sido um jornalista.
No meu tempo, não se usava uma palavra para resumir o fenómeno. Usavam-se três. Chamava-se a isso “acção de rua”. Tinha a desvantagem de cheirar a demasiado revolucionário. Ou demasiado esquerdista. Ou demasiado anti-sistémico.
Mas tinha a vantagem indefinida de se aplicar a um desfile de campanha que passasse indiferentemente por ruas, praças, avenidas, largos, travessas, azinhagas ou becos.
Com a actual designação, poder-se-á chamar na mesma “arruada” a uma acção de campanha que atravessa praças, largos, avenidas ou que atravessa travessas? Não deveriam chamar-se, conforme os casos, além de “arruada”, por exemplo, “apraçada”? Ou “avenidada”? Ou “alargada”? Ou “abecada”? Ou “atravessada”?
Eu acho que sim. Talvez seja por causa do meu desamor pelo termo “arruada”. Talvez seja por ser tantas vezes usado por relatores que fazem relatos como o que ouvi na rádio sexta-feira passada.
Versava o relato sobre a “arruada” de Paulo Portas pelo Chiado abaixo. O relato começou logo a cheirar a esturro, quando referiu o arranque em frente à Brasileira, e a descida subsequente da rua do Carmo. A rua Garrett - que é necessário descer para chegar à do Carmo - ficou perdida no limbo da elipse jornalística. Nada me move contra as elipses, claro, desde que quem as pratica saiba que as pratica. No caso, tenho dúvidas. Dúvidas reforçadas quando ouço, na voz do repórter que Paulo Portas parou depois no café Nicola na praça... da Figueira (sic)! Depois, um aparente flashback no relato, para apresentar uma declaração de Portas “junto a um ex-líbris de Lisboa”, ou coisa que o valha: o elevador... da Glória! Isto para que o repórter pudesse fazer um trocadilho/pergunta com ascensões e glórias. Confesso a minha ignorância factual. Não sei se Portas passou efectivamente pelo elevador da Glória. Se o fez, então a sua descida do Chiado desembocou, no mínimo, numa pequena subida da avenida da Liberdade. Como não consta que o tenha feito, só posso presumir que o dito elevador seja aquele que está sobreposto à rua do Carmo. E, assim sendo, terá sido claramente escusado o trocadilho com ascensão e glória. Não havia necessidade. Um trocadilho com ascensão e justa não seria menos eficaz nem menos justo.

Este episódio de confrangedora ignorância do relator jornalístico é bem ilustrativo desta campanha e desta eleição. Na realidade, a eleição pouco importa. Centro-direita do actual governo ou centro-esquerda (sim, eles o dizem) do Passos Portas vem a dar no mesmo. Nos próximos anos, Portugal está condenado a desfilar, em sentido descendente, não numa “arruada”, mas numa “abecada”. Sem saída.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Nem mais um município para as colónias



Não sei quantas coisas boas virão do diktat do FMI. Por certo, menos do que as más. Mas uma boa, de certeza, já veio. Ainda que os seus efeitos venham a ser provavelmente limitados. Refiro-me à recomendação feita pela tríade FMI/UE/BCE (sim, tríade, whythefucknot?), à recomendação de diminuir o número de municípios portugueses.
Viva recomendação, espero. Bem sei que, passadas as eleições e novo governo e novo ramerrame estéril, pouco se fará. Mas pelo menos, a ideia ficará por aí a pairar, lançada por uma fonte de “respeito”. E porventura, num futuro remoto, se possa por fim rebentar duma vez por todas com centenas de municípios que deveriam ser inconcebíveis.

É mesmo para me gabar: há anos que digo em conversas da treta que toda a orgânica administrativa portuguesa é uma aberração. Desde a criminosa inutilidade e redundância das assembleias municipais, num sistema em que a oposição tem assento consagrado no próprio executivo, até ao corrupto número excessivo de autarquias. Por outras palavras, os pais da Constituição, neste aspecto autárquico, empunharam o legado bífido do pior dos parlamentarismos – assembleias totalmente irrelevantes – e do pior da ditadura corporativista – “ah, com certeza que todos vão colaborar harmoniosamente para o bem comum lá em cima no executivo camarário!”...
Enfim, mas a questão agora são os números. Os números! 308 Municípios. Uns do tamanho da légua da Póvoa, outros do tamanho da rua da Betesga. Sim, os números obscenos da divisão municipal portuguesa. E com o mote da obscenidade, falemos então dos responsáveis pela mesma: os políticos portugueses.

À boleia da tríade alienígena, eis que reemerge um antigo chefe de Estado, proclamando publicamente opiniões concordantes com as da recomendação triádica. No início deste mês, no dia 4 de Maio, o antigo Presidente da República manifestou-se numa mensagem gravada e passada na conferência “Reorganização Administrativa do País”, promovida pela TSF, pelo Jornal de Notícias e pela Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas. Na sua mensagem, Jorge Sampaio, Presidente entre 1996 e 2006, defendia a redução do número de freguesias e municípios de Portugal. Sim, isso mesmo, uma postura de oportuníssima concordância com a tríade. Muito bem, bem-vindo ao clube, Sr. Presidente.

Em abono do cidadão Sampaio, recordemos alguns factos históricos atinentes à questão autárquica e ocorridos durante o seu segundo mandato presidencial.
Talvez alguns estejam recordados do profundo ódio e respectiva marcação cerrada que os activistas da elevação de Canas de Senhorim a concelho devotaram e fizeram ao Presidente Sampaio, com manifestações de rua em que a palavra de ordem era malhar forte e feio no então mais alto magistrado da Nação. É verdade. Para quem não se lembre, eu recordo a que se deveu isso.
Em Julho de 2003 governava-nos o executivo de coligação pós-eleitoral PSD/CDS, com mais ou menos pês conforme os gostos, liderado pelo Primeiro-Ministro Durão Barroso (PSD), coadjuvado pelo ministro da Defesa Paulo Portas (CDS). No dia 1 de Julho desse ano, a Assembleia da República aprovava por unanimidade a criação do concelho de Fátima. Nem um voto contra, sublinhe-se. Nem uma abstenção, ressublinhe-se. PSD, CDS, PS, PCP, Verdes e Bloco de Esquerda, todos em uníssono e beatífico hossana a Fátima. No mesmíssimo dia outro grupo de freguesias separatistas do concelho de Nelas, lideradas pela de Canas de Senhorim, era premiado também com a elevação a município: o futuro concelho de Canas de Senhorim. Mas, neste caso, não houve hossanas unânimes para Canas. A elevação a concelho foi aprovada apenas pela maioria absoluta de PSD e CDS. Com hossanas ou hocanas, unanimidade ou bloco de direita, o facto é que Canas de Senhorim acabou por se manter num estatuto de concelho tão putativo como o de Fátima. Graças a Deus... Não! Graças a Sampaio!

Então, como? Passo a explicar. Em mais um dos trapezismos legislativos em que a nossa classe política é pródiga, a Assembleia aprovou a 3 de Julho de 2003, dois dias após estes factos, a nova lei-quadro de criação de municípios. Atente-se: após. Dois dias após. A elevação a concelho de Fátima e de Canas de Senhorim só poderia ser efectivada mediante a entrada em vigor dessa lei-quadro. Genial surrealismo do nosso Parlamento, Dalí não faria melhor! Tal como no caso de Canas, a nova lei-quadro, foi aprovada apenas pelo PSD e pelo CDS. Acontece que a esta lei lhe faltou algo imprescindível para entrar em vigor: a assinatura do Presidente.
É. Jorge Sampaio recusou-se a promulgá-la. A 31 de Julho de 2003, o então Presidente usou o seu veto político à lei-quadro. Porquê? Demos-lhe a palavra. Segundo comunicado da Presidência da República, citado pela Lusa, a criação de novos municípios deve ajustar-se “à configuração demográfica do território” e não ser “motivada por puras razões de circunstância” e a lei-quadro “não corresponde a essas exigências e a esses princípios”. De acordo com o jornal Público, Sampaio era contra a criação de municípios “à la carte”, propondo antes a criação dum livro branco que estudasse o movimento concelhio dos últimos cinquenta anos.

Ok. Pronto. O antigo Presidente Jorge Sampaio tem toda a autoridade política e moral para se juntar agora em 2011 à tríade FMI/EU/BCE na defesa da redução de municípios e freguesias. Certo?... Não, nada mais errado.

Sigamos a sugestão presidencial de 2003. Por deformação clubística, semelhante à dele, preferiria um livro verde em vez de um livro branco. Mas estudemos um pouco o movimento concelhio, tal como Sampaio sugeria, ou pelo menos os sucessos institucionais do dito. Não vou para os últimos cinquenta anos. Fico-me pelos 37 anos desde que se derrubou a ditadura do Estado Novo.
Ora então, salvo erro, quando se deu o 25 de Abril, Portugal tinha o “modesto” número de 304 concelhos. Quer isto dizer que o regime democrático foi responsável pela criação de quatro novos municípios neste período de pouco mais de três décadas. Quais foram?
Primeiro, a 11 de Setembro (sim, nine-eleven!) de 1979, é criado o município da Amadora. Primeiro-Ministro? Maria de Lourdes Pintasilgo. Presidente? António Ramalho Eanes.
Depois disso, é preciso esperar até ao final dos anos 90 para ter mais municípios novos em Portugal. A 19 de Março de 1998, Vizela é elevada a concelho. A 19 de Setembro de 1998, Trofa é elevada a concelho. No mesmo dia, Odivelas é também promovida a concelho. Primeiro-Ministro nestes últimos três casos? António Guterres. Presidente nos três casos? Jorge Sampaio.
Ou seja, o Presidente Sampaio assinou por baixo, emprestou a sua imprescindível assinatura à criação de três de todos os quatro novos municípios criados durante o regime democrático. Uma parcela de 75 por cento. A recordação impressionista que tenho dessas elevações a concelho de 1998 é a de que em boa parte os requisitos para a promoção a município foram algo martelados para encaixar na lei em vigor. Ou, se não, foi a lei em vigor que levou umas marteladas para se encaixar nas Vizelas, Trofas e Odivelas municipais. Sim, mas certamente não foram municípios criados “à la carte”, horror com o qual o Presidente Sampaio não contemporizaria.

Resta referir que a ementa que um Presidente se atribui a si próprio durante um primeiro mandato é habitualmente limitada e frugal. Quanto ao cardápio do qual se fornecem os chefes do Estado no seu segundo mandato, há quem diga que é tão vasto e faustoso quanto o apetite de alguém que já não tem paciência para dietas. A promulgação bem comportada dos três novos municípios por Jorge Sampaio ocorreu no seu primeiro mandato presidencial. O veto à lei-quadro dos municípios, e concomitante chumbo dos novos concelhos criados em São Bento, deu-se durante o seu segundo e último mandato em Belém. Mera coincidência, provavelmente. Por via das dúvidas, em 2001, mudei o meu voto para o Garcia Pereira.




PS – Emérito surfista, o antigo ministro do Mar empoleirou-se também na onda de austeridade autárquica da tríade, propondo “agregar freguesias”. Paulo Portas e o seu partido foram co-cozinheiros do banquete seráfico, senhoril, municipal e prematuro de 2003. Passos Coelho, que ainda não ouvi alinhar no desejável extermínio autárquico, foi vice-presidente do grupo parlamentar do PSD entre 96 e 99, ou seja, à altura do festim concelhio de 1998, além de ter concorrido à câmara da Amadora em 1997, sendo devorado então por um Raposo profissional. Quanto ao actual PM, enfim, todos sabem quão parlamentar era em 98 e 2003. Ah, é verdade, Jorge Sampaio foi presidente da câmara de Lisboa entre 1989 e 1995. Não ficou claro se a “redução” de municípios que defende agora inclui a edilidade lisboeta.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Pastéis de Belém

Titula o DN: "Durão em Portugal a preparar a resposta europeia para a crise". Na notícia vem o detalhe da agenda: encontro com Sócrates dura 90 minutos , com Cavaco 25!


- Olá está bom? Sente-se!

- Não, não, obrigado, sente-se primeiro o Sr. Presidente, afinal de contas, o José Manuel é o Presidente de todos nós!

- Ah! Obrigado. Como é que está o Aníbal?

- Bem!

- E a sua mulher?

- Óptima! Sabe como é, adora ser a primeira dama.

- E os seus filhos?

- Ainda estão a curar a narsa que apanharam na noite da minha reeleição, fartaram-se de beber medronho que me mandaram de Boliqueime. Tirando isso, estão muito bem. Adoram Portugal. Fico contente por lhes ter incutido esse sentimento. Disse-lhes sempre: Antes de deixarem o país deixem obra feita. Nunca abandonem o barco!

- Sim, sei como é isso. Digo exactamente o mesmo aos meus filhos. E os seus netos?


- Estão uns rapagões! Nunca se enganam. Sou miúdos duma seriedade impressionante. Óptimos! Tenho tido sobre eles uma magistratura de influência. Já sabem fazer contas.

- Bom, foi óptimo revê-lo.

- Também tenho esse sentimento. Também eu tenho esse sentimento!

- Aníbal, tem ideia se está muito trânsito para chegar a São Bento?

- Com esta chuva, é capaz! Mas porquê?

- Já passaram 25 minutos e eu tenho encontro marcado com o Zé. Ele é porreiro, pá! Não quero fazê-lo esperar.

- 25 minutos? Já? Passou tão rápido. É sempre assim quando a conversa é interessante.